quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

We are the 801 - escute agora (!)

(Esse post foi escrito ao som de Mazzy Star - Seasons of Your Day, um dos melhores discos de 2013!)

[não vou fazer postagens sobre os melhores discos de 2013. tem muitas - muitas mesmo por aí.]


Now listen, now now listen....


A discografia de Brian Eno é muito vasta e, embora eu tenha escutado quase todos os discos de estúdio, eu não consigo fazer ideia de quantos discos foram produzidos por ele para terceiros. Obviamente, tem os clássicos (trilogia de Berlin em conjunto com Bowie e Tony Visconti, os melhores discos do U2, Devo, Talking Heads, a versão crua de Marquee Moon, etc), mas ele já produziu tanta gente que às vezes dá para esquecer de seus músicos mais próximos. Phil Manzanera é um desses.

Procurando alguma coisa nova para escutar no meio das minhas próprias músicas (sempre pego algo para escutar e depois esqueço, então não é uma coisa tão sem sentido assim), encontrei Listen Now, do guitarrista Phil Manzanera e 801. Essa obra-prima do art-rock foi gravada em 1977, com a colaboração de Eno e toda  a turminha do 801, que são simplesmente geniais. Aliás, o próprio termo "Eight-Nought-One" é genial por si só e dispensa comentários sobre a própria concepção de música que o grupo tinha. Em Listen Now, Manzanera prova que o Roxy Music não é/era fantástico apenas pelo embate entre Eno e Bryan Ferry, mas também porque tinha um guitarrista bem à frente de seu tempo, seja por tocar, seja por compor.

É interessante notar que em 77 (apesar do disco começar a ser produzido em 75), o cenário musical inglês começava a se voltar para o proto-punk e até mesmo para o punk, ao tempo em que qualquer coisa que quisesse soar diferente deveria mergulhar no progressivo chato, cheio de teclados maçantes e propostas sem graça. Mesmo assim, Manzanera e 801 criaram um disco que criticava o modo como a sociedade da época se ajustava (particularmente, críticas não muito diferentes das relativas à sociedade atual), sem perder o feeling de jazz e canções bem produzidas. E, como sempre, alguma pitada de obscuridade ou mistério, como nos últimos versos de Flight 19, em alusão ao Triângulo das Bermudas.

Em uma rápida análise de algumas músicas em separado, Island poderia ser mencionada como uma das melhores músicas instrumentais que eu ouvi nos últimos tempos, tanto pela atmosfera da música realmente remeter a uma ilha, quanto pelas guitarras bem colocadas. Initial Speed demonstra que o pessoal realmente não estava ali para brincadeira (até porque 16 pessoas tocaram nesse disco). A faixa homônima, com algumas pitadas de jazz, consegue ser uma música longa, mas não enjoativa - sem contar que o "now listen, now now listen", fica na cabeça por um bom tempo. E Postcard Love... bom, acho que é a música mais bonita e  legal que já ouvi sobre friendzone na vida.

[bom, digo isto porque não me vem à cabeça músicas muito boas sobre friendzone. Na verdade, só veio aquela do casamento, sei lá ..."o tempo passou e eu sofri calado/ não deu pra tirar ela do pensamento/", sabe?]

Enfim, escute agora. Listen Now é excelente para fãs dos trabalhos de Eno, Roxy Music, King Crimson e o mais o que eu costumo chamar de 'progressivo inteligente'. E claro, não deixa de ser mais um disco-proposta, recheado de tendências que, embora toda essa gama de discos lançados na atualidade, ainda não foram totalmente exploradas.



domingo, 1 de dezembro de 2013

Vocais Femininos

Duas palavras definem Bilinda Butcher: casa comigo
(Este post foi escrito ao som de Ira! - Mudança de Comportamento - 1985)

Admito que a intenção inicial da postagem era fazer um review sobre Reflektor, o novo disco do Arcade Fire. Mas sinceramente, ainda não digeri o disco suficientemente para fazer uma boa análise - até porque nesse hype de Arcade Fire, tudo o que fazem é concebido pela crítica como obra prima (que particularmente, de obra prima mesmo só considero o Funeral). Então, vamos esperar a poeira baixar.

Então, vou deixar algumas recomendações de vocais femininos que realmente valem a pena de serem conferidos. É até uma boa, com o feminismo cada vez mais em alta.

Sempre tive uma inclinação para vocais femininos, seja por achar sexy, ou por achar diferente mesmo (considerando que a maioria das bandas possuem vocais masculinos), à exceção dos vocais femininos forçados - que são o mais comum e geralmente pertencentes à participantes de programas de TV de show de calouros. Acredito que a presença de vozes femininas no rock seja até mesmo ver a música por um outro prisma - de quem geralmente ficava no fundo, fazendo vozes de backing vocal, e agora está ali à frente, mostrando que também sabe liderar a banda/ grupo. Sem delongar demais, vou indicar algumas cantoras que merecem ser escutadas:


Patti Smith
Acho que essa dispensa apresentações, até porque Patti não é só cantora, como uma poetisa de mão cheia. Seu jeito único e desesperado de cantar, junto aos temas sombrios de suas canções contribuíram para a formação do proto-punk e até do modo como fazer música, em pleno anos 70. Poderia sugerir para escutar sua obra-prima Horses, mas vou deixar como dica hoje o The Coral Sea, feito em parceria com Kevin Shields, do My Bloody Valentine. Aliás, falando em MBV....


Bilinda Butcher
Não há como entender o shoegaze sem ouvir My Bloody Valentine, e consequentemente, sem se apaixonar pela voz de Bilinda Butcher. Em meio a tantas paredes de som, distorções, jazzmasters e jaguares disputando quem é melhor no tremolo, há a doce voz de Bilinda, trazendo harmonia e transcendendo o próprio conceito de Dreampop com seus sussurros. Deveria sugerir Loveless, mas recomendarei MBV (2013), disco inédito após anos de amarração de música de Kevin Shields e cia.

Nico
Tá, tudo bem que ela só foi aparecer no primeiro disco do Velvet Underground por pressãozinha de Andy Warhol, mas não há como negar que a voz (e ela) de Nico é maravilhosa. De fato, ela faz jus ao ser chamada de femme fatale, tanto pelo charme quanto pela voz ecoada e de mulher madura. Chelsea Girls é um disco bacana para se arrebatado pra sempre por sua voz.

Kim Gordon
Há, a famosa baixista do Sonic Youth, paixão platônica de metade dos fãs de música alternativa dos anos 90. Kim não só tem estilo próprio (até porque é estilista), como também toca muito e canta sem ligar para nada, botando respeito com ironia e voz agressiva. Enquanto isso,  a outra metade dos alternativos dos anos 90 eram apaixonados por sua xará, a...

Kim Deal
também baixista (mas do Pixies), Kim foi voz de apoio em várias músicas, mas soltava o berro na sua banda formada com a irmã gêmea (Breeders). De toda forma, canta uma dos singles mais famosos do Pixies - Gigantic - , sem contar sua outra banda (The Amps). Recomendo o Last Splash, do Breeders, com muita saudade do show de 2008, onde eu pensei que fosse morrer (espremido) ao som de Cannonball. Bom, nos anos 90 também havia Courtney Love e...

Não vou falar sobre Courtney Love. Prefiro falar sobre a Sandy, é sério.

Sandy
Namoradinha do Brasil, a filhota do "Chitãozinho e Xororó" (adoro essa ideia de 2 pais que todos fazem dela), querendo ou não tem uma voz incrível, de forma que ofuscava totalmente seu irmão na duplinha. Afinal, quem não se lembra daquele "é Imor-taaaaaaaaaaaaaaaaaaaaalllll" que durava 3 minutos? Até o mestre Sabotage respeitava a menina! Sugestão de disco: Aquele que você tem guardado aí na sua casa, mas tem vergonha de falar.

Moe Tucker
Sim, eu sei que Moe Tucker não era vocalista (no Velvet), mas vamos admitir que nos anos 60 não era nada convencional ter uma mulher em uma banda. E não era uma banda qualquer, era o Velvet Underground. E não tocava de um modo qualquer, ela tocava EM PÉ! Só por isso, fica a menção honrosa a esta mulher de atitude ninja aqui. Sugiro Loaded, meu disco favorito do VU, mesmo ela tendo carreira solo.

Dot, Helen e Betty Wiggin
Não poderia haver uma lista dessa sem citar as irmãs Wiggin e a mítica banda The Shaggs, uma banda formada por um pai maluco e que acreditava que as filhas cumpririam uma profecia de uma cartomante. Ok, o sucesso de fato nunca veio, mas seu disco único (Philosophy of The World) simplesmente é uma dos discos mais emblemáticos e únicos do rock, formado por garotas que sequer sabiam o que estavam tocando. Ou na verdade sabiam até demais, e ainda não estamos preparados para compreender esta obra de arte.

Enfim, poderia citar Amy Winehouse, PJ Harvey, Siouxsie, Fernanda Takai, Rita Lee, etc, etc, etc, mas acho que já dá pra ter recomendações até o final do ano, não?  Vida longa às mulheres no rock!!


terça-feira, 29 de outubro de 2013

Legendary Lou

Apesar de sempre escutar todos os seus filhos, admito que meu contato com Lou Reed foi um pouco tardio. Era 2007, quando estava ensinando meu pai a ‘ripar’ CD’s para o computador (em um passado não tão distante no interior, onde a velocidade da internet colaborava pouquíssimo para downloads), e resolvi testar com um CD em que eu não conhecesse. Dentre aqueles vários discos ali, um me chamou atenção para ser o ‘cobaia’ : era New York, do Lou Reed. É claro que eu já havia ouvido falar de sua obra (afinal, não há como ser fanático por Jesus And Mary Chain sem ouvir falar em Velvet Underground), mas nunca havia me despertado a curiosidade. Porém, a partir da primeira faixa (Romeo Had Juliette), vi que seria arrebatado para sempre pelo som de Reed.
Desde então, pouco a pouco fui me tornando mais um fã do trabalho de Lou e, fazendo o caminho contrário, descobri o ‘Disco da Banana’. Era como se meu conhecimento musical estivesse expandindo para uma dimensão que eu jamais esperava; junto com a paixão pelo Velvet, veio de vez meu amor pela Música. Em um mundo tão saturado de Beatles, Doors e Led Zeppelin (que de forma alguma são ruins, pelo contrário), estava diante de meus olhos toda uma vertente que parecia dar sentido a todas as noites passadas em claro assistindo MTV. Finalmente havia encontrado a raiz de todas as bandas que eu gostava. E assim foi com White Light/White Heat, Velvet Underground (1969) e Loaded. Sonic Youth e Jesus agora faziam muito mais sentido para mim.
De toda forma, não conseguia ver o Velvet sem enxergar por trás a genialidade de Reed. Sei que Moe Tucker, Sterling Morrison e principalmente (enfoque nesse ‘principalmente’) John Cale tinham suas peculiaridades, mas a minha paixão por Reed ia além de seu trabalho como canalizador do Underground em forma de música. Sentia, pelo Velvet, que ele tinha muito mais a falar. E, retornando pela forma de como eu conheci, explorei sua carreira solo, sem me prender a New York e Transformer. E assim, conheci Berlin.
Admito que muito de minha curiosidade de Berlin foi devida à paixão de Ian Curtis pelo disco (assim como pelo The Idiot, do Iggy Pop), mas quando percebi, estava totalmente mergulhado no universo de Jim e Caroline. Simplesmente perdi as contas de quantos sábados passei em casa ouvindo Berlin no repeat, acompanhando todos os acontecimentos, as desgraças, as pílulas, os two-bit friends de Jim, a separação, as crianças, o frio, os desastres...e  sim, até hoje eu devo chorar se ouvir The Kids atentamente. Berlin faz qualquer álbum do The Cure parecer piada para adolescentes chorões e cortadores de pulsos. Além de tudo, me fascinava a facilidade que Lou Reed tinha para reciclar suas próprias músicas (Berlin foi criado a partir de várias sobras do Velvet), e transformá-las em um dos Opera Rock mais lindos que já existiu.

Poderia citar álbum por álbum de sua carreira solo, ou então destrinchar cada disco do Velvet, mas creio que isso não é necessário. Lou Reed é lenda por si só. E talvez mais um deslocado em um mundo que definitivamente não foi feito para aceitá-lo. Sempre notei, ao ouvir discos como The Blue Mask ou Legendary Hearts, que tinha a impressão que Lou Reed cantava sozinho, como um trovador de uma cidade solitária. Contudo, mesmo se considerando um Average Guy, Reed nunca teve medo de se sentir livre. E de fato, era livre. Não teve medo de fracassos comerciais, não teve medo de casar durante anos com um travesti, não teve medo de sair da proteção de Andy Warhol, não teve medo de mostrar ao mundo a New York que os filmes e os Eua sempre tentaram esconder. Reed escrachava, por meio de suas letras, a falsa idéia de ‘Sonho Americano’, que tentam cuspir em nossa cara desde que nascemos. Não poderia ser diferente, de alguém que veio do Brooklyn.
A perda de Lou Reed não foi apenas uma perda para fãs de Velvet e de sua obra em particular. Foi-se embora um dos maiores mitos da música, que demonstrou infinitas possibilidades frente a um cenário musical que se via preso em “eu quero pegar na sua mão”, ou “surfar é bom demais”. Reed abriu caminho para toda uma geração – de Bowie a Nirvana, de Iggy Pop a Sonic Youth, de Jesus and Mary Chain a Strokes. E este legado se estenderá por muitos e muitos anos, enquanto existirem cópias de Velvet Underground and Nico neste mundo.

Ps. Quando o Morrissey morrer, talvez seja melhor nem me avisarem.  


quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

O Maestro do Canão

Primariamente, sou defensor da ideia de que quem gosta de música deve conhecer todos os gêneros. Digo isso em relação aos roqueiros ortodoxos, que ficam presos ao estilo, perdendo a oportunidade de ouvir muita música boa de outros estilos. Nessa mesma linha de pensamento, admito que sempre achei o Rap muito interessante, especialmente o aspecto crítico/sociológico que as letras carregam (pelo menos do "bom rap", ao contrário de vários rappers que só sabem cantar músicas que ostentam riqueza). Assim, sempre gostei bastante de Public Enemy, Run DMC, Beastie Boys (R.I.P MCA) e é claro, Sabotage.


Enfim, poderia escrever linhas e linhas falando sobre a morte de Sabotage, a produção de seu filme, os filmes que o Rapper participou, o absurdo que foi seu assassinato, mas como isso (ainda) é um blog de música , vamos falar sobre a métrica e conteúdo de suas letras, e o legado que o rapper deixou. O "Maestro do Canão" tinha um modo único de compor, onde usava poucas conjunções em suas frases, além de rimar palavras com palavras diretamente, não se prendendo muito ao estilo "rima somente ao final de estrofe". Ex:

Verdade Brown o gosto tá cruel o crime não é mel
O medo vem do céu como foi cruel
 De arrec-cléu click-cléu o povo é algo fel  (Mun-rá)

Seu único álbum lançado, Rap é Compromisso (2001), indica certa maturidade para o cenário de Rap nacional, vez que não falava sobre prisão, tráfico e demais rótulos que infelizmente (e também erroneamente) são atribuídos ao rap, mas dizia sobre libertação - e libertação pelo rap! Em várias músicas, Sabotage deixa claro que a criminalidade não compensa, e pauta pela construção de uma comunidade melhor. Na faixa-título Rap é Compromisso, Sabotage conta a história de um criminoso, e todas as mazelas qual o mesmo se passava. O nome se tornou um jargão entre fãs de rap (assim como "Respeito é pra quem tem")


Não só versando sobre sua libertação do crime pelo rap, o rapper também denuncia alguns episódios de agressão pela polícia, e como as pessoas de situação financeira desfavorável são vistas pelo Estado. Além disso, em Cocaína o rapper diz sobre os perigos da droga. Ao todo, o autor utiliza de assuntos realmente relevantes, de modo que as suas rimas não só sejam combinações tônicas, mas também que toquem o ouvinte, seja pela beleza da métrica, seja pelo conteúdo da letra.

Hoje, completando 10 anos de sua morte, o cenário do rap nacional lamenta sua falta. Vemos em ascensão Emicida, Criolo, dentre outros, e podemos ver claramente a influência do senhor do Canão. Se o rap nacional hoje é visto de outro modo, muito disso é devido ao trabalho de Sabotage (e Racionais também, é claro). Por mais que isso pareça clichê, Sabotage ainda vive no rap, e ainda viverá por muitos anos, como um dos ícones e um exemplo a ser seguido. O rapper mesmo no auge não fugiu de suas origens, mantendo sua humildade e a preocupação em deixar o lugar onde morava melhor - mesmo com sua única arma, o rap.