terça-feira, 29 de outubro de 2013

Legendary Lou

Apesar de sempre escutar todos os seus filhos, admito que meu contato com Lou Reed foi um pouco tardio. Era 2007, quando estava ensinando meu pai a ‘ripar’ CD’s para o computador (em um passado não tão distante no interior, onde a velocidade da internet colaborava pouquíssimo para downloads), e resolvi testar com um CD em que eu não conhecesse. Dentre aqueles vários discos ali, um me chamou atenção para ser o ‘cobaia’ : era New York, do Lou Reed. É claro que eu já havia ouvido falar de sua obra (afinal, não há como ser fanático por Jesus And Mary Chain sem ouvir falar em Velvet Underground), mas nunca havia me despertado a curiosidade. Porém, a partir da primeira faixa (Romeo Had Juliette), vi que seria arrebatado para sempre pelo som de Reed.
Desde então, pouco a pouco fui me tornando mais um fã do trabalho de Lou e, fazendo o caminho contrário, descobri o ‘Disco da Banana’. Era como se meu conhecimento musical estivesse expandindo para uma dimensão que eu jamais esperava; junto com a paixão pelo Velvet, veio de vez meu amor pela Música. Em um mundo tão saturado de Beatles, Doors e Led Zeppelin (que de forma alguma são ruins, pelo contrário), estava diante de meus olhos toda uma vertente que parecia dar sentido a todas as noites passadas em claro assistindo MTV. Finalmente havia encontrado a raiz de todas as bandas que eu gostava. E assim foi com White Light/White Heat, Velvet Underground (1969) e Loaded. Sonic Youth e Jesus agora faziam muito mais sentido para mim.
De toda forma, não conseguia ver o Velvet sem enxergar por trás a genialidade de Reed. Sei que Moe Tucker, Sterling Morrison e principalmente (enfoque nesse ‘principalmente’) John Cale tinham suas peculiaridades, mas a minha paixão por Reed ia além de seu trabalho como canalizador do Underground em forma de música. Sentia, pelo Velvet, que ele tinha muito mais a falar. E, retornando pela forma de como eu conheci, explorei sua carreira solo, sem me prender a New York e Transformer. E assim, conheci Berlin.
Admito que muito de minha curiosidade de Berlin foi devida à paixão de Ian Curtis pelo disco (assim como pelo The Idiot, do Iggy Pop), mas quando percebi, estava totalmente mergulhado no universo de Jim e Caroline. Simplesmente perdi as contas de quantos sábados passei em casa ouvindo Berlin no repeat, acompanhando todos os acontecimentos, as desgraças, as pílulas, os two-bit friends de Jim, a separação, as crianças, o frio, os desastres...e  sim, até hoje eu devo chorar se ouvir The Kids atentamente. Berlin faz qualquer álbum do The Cure parecer piada para adolescentes chorões e cortadores de pulsos. Além de tudo, me fascinava a facilidade que Lou Reed tinha para reciclar suas próprias músicas (Berlin foi criado a partir de várias sobras do Velvet), e transformá-las em um dos Opera Rock mais lindos que já existiu.

Poderia citar álbum por álbum de sua carreira solo, ou então destrinchar cada disco do Velvet, mas creio que isso não é necessário. Lou Reed é lenda por si só. E talvez mais um deslocado em um mundo que definitivamente não foi feito para aceitá-lo. Sempre notei, ao ouvir discos como The Blue Mask ou Legendary Hearts, que tinha a impressão que Lou Reed cantava sozinho, como um trovador de uma cidade solitária. Contudo, mesmo se considerando um Average Guy, Reed nunca teve medo de se sentir livre. E de fato, era livre. Não teve medo de fracassos comerciais, não teve medo de casar durante anos com um travesti, não teve medo de sair da proteção de Andy Warhol, não teve medo de mostrar ao mundo a New York que os filmes e os Eua sempre tentaram esconder. Reed escrachava, por meio de suas letras, a falsa idéia de ‘Sonho Americano’, que tentam cuspir em nossa cara desde que nascemos. Não poderia ser diferente, de alguém que veio do Brooklyn.
A perda de Lou Reed não foi apenas uma perda para fãs de Velvet e de sua obra em particular. Foi-se embora um dos maiores mitos da música, que demonstrou infinitas possibilidades frente a um cenário musical que se via preso em “eu quero pegar na sua mão”, ou “surfar é bom demais”. Reed abriu caminho para toda uma geração – de Bowie a Nirvana, de Iggy Pop a Sonic Youth, de Jesus and Mary Chain a Strokes. E este legado se estenderá por muitos e muitos anos, enquanto existirem cópias de Velvet Underground and Nico neste mundo.

Ps. Quando o Morrissey morrer, talvez seja melhor nem me avisarem.